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Por: Nayara Matteis

A hotelaria vem passando por grandes transformações (e provações) nos últimos anos. Apesar de se mostrar resiliente, o segmento ainda sofre as consequências do excesso de oferta fruto da Copa do Mundo em 2014 e Jogos Olímpicos em 2016, que gerou um déficit danoso na diária média. Com a chegada da pandemia, um novo colapso se instaurou com a falta de demanda e as restrições de viagens. Como se não bastasse, o fantasma do short-term rental passou a assombrar ainda mais a indústria com o aumento da procura por aluguéis para curta temporada impulsionado pelo isolamento social – e isso vale também para o público corporativo. Neste cenário, seriam os hotéis midscale os mais afetados? Será que o bicho-papão dos aluguéis de temporada morde ou apenas assusta?

Hoje, o mercado brasileiro começa a seguir tendências importadas de praças como os Estados Unidos e Europa. E esse é mais um dos motivos que fizeram investidores e hoteleiros ficarem mais atentos com a ascensão do segmento. Nos EUA, o short-term rentals já performava melhor que a hotelaria em outubro de 2020. Levantamento da STR, por exemplo, mostrava que as ocupações de imóveis de aluguel fecharam o mês em 70% na Philadelphia, contra 49,2% nos hotéis. Em Miami, a discrepância foi maior ainda: 83,3% contra 41,1%, respectivamente.

Outro relatório desenvolvido pela AirDNA reforça a tendência, apontando que o segmento de aluguéis superou em abril os níveis pré-pandemia. Mais ainda, a demanda avançou 66,4% frente a igual mês do ano passado. Já no primeiro trimestre de 2021, o Airbnb viu sua receita subir 5% em comparação ao mesmo período em 2020, somando US$ 887 milhões. Além disso, analisando o balanço do Expedia, nota-se o papel relevante que o short-term rental desempenhou no resultado do primeiro trimestre. Em resumo, está “bombando” – e isso vale também para cá, com plataformas nacionais como B.Homy e NOMAH tendo ocupações mais altas do que hotéis em São Paulo.

Short-term rental e a hotelaria

Diante de tamanha movimentação, a hotelaria começou a se mexer criando suas próprias ofertas de short-term rental. A Accor desenvolveu uma plataforma exclusivamente voltada aos segmentos de residence services e long stay, que ainda não chegou ao Brasil. Sua parceria nacional, a Atrio Hotel Management lançou a Xtay, braço de gestão de locações de curtas e longas temporadas de propriedades, que já nasceu com 200 apartamentos no portfólio.

Para completar a lista, a Atlantica Hotels International firmou parceria com a incorporadora e construtora Mitre Realty. Inicialmente, a oferta de habitações abrange 6 mil studios que deverão ser entregues entre 2022 e 2023, em São Paulo. Por fim, a ICH Adminitração de Hotéis criou o Cityhome by Intercity Hotels.

Uma das principais razões de tantos players hoteleiros optarem por gerar suas próprias ofertas de aluguel é o receio de perder espaço de mercado para plataformas voltadas à gestão de imóveis. Ainda que o público do short-term rental seja majoritariamente de lazer, as mudanças de consumo traçadas pela crise indicam uma tendência de migração também para hóspedes corporativos.

Ainda que os números nos EUA pareçam ameaçadores, levar em consideração o cenário pandêmico é uma comparação desleal. O esvaziamento dos eventos e do corporativo tiveram grande influência nas baixas ocupações dos hotéis e na alta procura por aluguéis de temporada.

Diretor de Marketing da B. Homy, startup que gerencia imóveis de investidores e proprietários em plataformas de short-term rental, Gustavo Syllos é categórico ao afirmar que o segmento não ocupará os espaços da hotelaria. “É verdade que temos atualmente maior ocupação, pois quando começou a pandemia a busca por distanciamento, home office e aumento dos nômades digitais favoreceram esse negócio. Estamos falando de imóveis que são adaptados para longos períodos”, comenta.

Apesar das tendências catalisadas nos últimos meses terem contribuído para um possível desespero do setor hoteleiro, Syllos ressalta que o público dos aluguéis de temporada é específico, assim como os hóspedes de empreendimentos midscale. “Os hotéis possuem um tamanho reduzido de UHs, projetados para curtos períodos, entregando o que a hotelaria se propõe. Viagens corporativas, por exemplo, são mais curtas e exigem serviços como café da manhã, controle de custos e pagamentos faturados. São condições específicas e, nos últimos 30 anos, o segmento hoteleiro se desenvolveu para atendê-las”, complementa.

Com uma base de 490 imóveis, a NOMAH faz parte da gama de plataformas de gestão de aluguéis de temporada. Para Thomaz Guz, CEO da empresa, o cenário pode não retornar aos patamares pré-pandemia, mas isso não significa perdas para a hotelaria. “As demandas por eventos, por exemplo, tendem a ser reduzidas, mas ao mesmo tempo surgem novas necessidades que podem retomar em ritmo acelerado. Acredito que a maior preocupação dos hotéis seja em eficiência operacional. Na NOMAH temos um time que desenha a jornada do cliente que pode ser feita 100% automatizada, mas ainda existe um público que tem sua preferência por empreendimentos hoteleiros”.

Guz: parceiros homologados podem oferecer serviços similares às da hotelaria

Corporativo e bleisure

Recentemente, a NOMAH firmou parceria com a Rio Bravo, gestora de investimentos, com o intuito de fortalecer seu portfólio em diferentes localidades na capital paulista. Desta forma, a startup busca reforçar seu posicionamento como uma plataforma que oferece aluguel de curta e longa temporada.

“Muitos executivos que moram em regiões próximas a São Paulo têm a necessidade de vir até a capital para ficar alguns dias. Queremos nos posicionar como uma locação flexível, seja de um dia ou um mês. Levamos isso para um ambiente de e-commerce que acelerou com as mudanças de consumo”, pontua Guz.

Syllos acredita que, mesmo com o aumento da adoção do home office e com o bleisure se tornando uma tendência crescente, hóspedes corporativos ainda serão parcela significativa para a hotelaria. “Tudo depende de quem paga a conta. Mesmo que um executivo faça uma viagem de negócios e opte por ficar mais tempo, existe um CNPJ pagando. No caso de pessoas autônomas e nômades digitais, há maior demanda por short-term rental, pois buscam locais maiores, com mais estrutura para passar mais tempo”.

O diretor da B. Homy ainda ressalta que os aluguéis só serão uma ameaça para empreendimentos que não se modernizarem em tecnologia, atendimento e serviços. “Hotéis precisam oferecer um atendimento espetacular, facilitar o check-in, implementar ferramentas. Os hóspedes buscam segurança, estrutura e design. Quem não se atualizar estará ameaçado, não pelo aluguel de temporada, mas pelos próprios concorrentes hoteleiros”.

Custo benefício

Outro ponto sensível da discussão é a questão de precificação. Para iniciar a conversa, Syllos ressalta que o tempo de permanência tem papel fundamental na comparação. “Precisamos entender o fluxo de permanência. Quem fica em hotel não é o mesmo público do aluguel de curta temporada. Em abril, São Paulo registrou tempo de permanência média da hotelaria entre 1,3 noites e nosso segmento de cinco noites. A diferença de produtos é grande e os hotéis não devem pensar que aderir ao modelo irá resolver todos os problemas. Uma comparação clara é quando a Uber chegou ao mercado e todos pensavam que seria o fim dos taxistas”.

Além do tempo de estada, os meios de pagamento pesam quando se trata de tarifário. Em linhas gerais, os aluguéis oferecem diárias mais atrativas frente à hotelaria. Em contrapartida, os imóveis não dispõem dos serviços de um hotel. “Existe a conta entre custo e benefício, tempo de permanência e meios de pagamento. No short-term as reservas são antecipadas ao invés de faturadas. O aluguel é mais barato, pois nos hotéis o tamanho da conta é maior”, pontua Syllos.

Para suprir a falta de serviços, a NOMAH investiu em parcerias com fornecedores. “Conectamos serviços como um diferencial. Temos parceiros homologados de limpeza e entregas de café da manhã, por exemplo. Tudo de forma automatizada. Valorizamos a experiência como um todo com uma pegada mais residencial. Nossa média de custo costuma ser 60% a menos quando comparado com a hotelaria. Entretanto, no caso dos hotéis de luxo, a entrega vai muito além da hospedagem, com uma gama de serviços”, avalia Guz.

O lado do investidor

 

Freire acredita que há espaço para todos no mercado

Segundo Pedro Freire, diretor da JLL, de fato, muitos investidores têm olhado o segmento de aluguel com outros olhos. “Já havia alguns casos de insatisfação com o retorno, o que foi acentuado com a pandemia. Os investidores estão buscando alternativas para sair do pool, analisando possíveis usos de escritórios e conversões de flats, por exemplo”.

O executivo destaca que esse é o ponto de vista principalmente do investidor pulverizado, que vem tentando novas opções por conta da fragmentação do mercado. Por outro lado, Freire acredita que se tratando de demandas, a hotelaria não precisa se preocupar. “Não vejo os aluguéis de temporada tirando o público dos hotéis. No caso do Airbnb, a plataforma é mais forte em locais onde existe uma demanda maior do que a oferta hoteleira e muitas vezes as diárias estão elevadas em empreendimentos de lazer”.

Já no segmento corporativo, Freire prevê que, com a vacinação, o mercado deve voltar às condições pré-pandemia. “Com a imunização o mercado retomará a normalidade. Ano passado foi um ponto fora da curva, pois os hotéis estavam em uma posição de dificuldade. É uma comparação injusta”.

Freire afirma que o mercado de aluguel de temporada está em fase inicial e ainda não possui tantos produtos, nem um número excessivo de projetos. “Logo, é difícil avaliar a oferta e demanda. Porém, se muitos lançamentos forem anunciados, é preciso ter cuidado e olhar o potencial de crescimento do mercado e avaliar se aquele produto cabe naquela praça. Operadoras e investidores vêm pressionando por alternativas e muitas decisões são tomadas, mas nem sempre são as melhores”, finaliza.

(*) Crédito da capa: BUMIPUTRA/Pixabay

(**) Crédito das fotos: Divulgação


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